terça-feira, 27 de setembro de 2011

Relato do parto de Margarida - Parte 3

Pródomos

Com 39 semanas completas, exatamente a idade gestacional que eu tinha quando Emília nasceu, comecei a sentir contrações diferentes. Elas vinham com cólicas intestinais, eram mais firmes, duradouras, e irradiavam das costas até o útero, abraçando o bebê. Ainda eram bastante irregulares, então eu sabia que as coisas poderiam demorar ainda dias ou semanas para começarem a acontecer de verdade. Mas sabia também que meu corpo já estava se preparando para trazer aquele bebê ao mundo.

Era uma segunda-feira e, como de costume, fui sozinha à Água Mineral (Emília estava na escolinha e eu já havia parado de trabalhar havia tempos). Enquanto caminhava pela trilha, recordava onde eu estava quase um ano e oito meses antes: no hospital, sem contrações, internada cedo demais – provavelmente em pródomos. Desta vez eu estava no meio da mata, livre, esperando que minha filha viesse naturalmente.

Eu havia estado um pouco tensa no fim de semana, provavelmente pela chegada das 39 semanas. Me preocupava com outra gestante que estava sendo acompanhada pela mesma parteira que eu, que já cumpria 41 semanas e ainda não tinha parido. Me preocupava não sei mais com o quê; sei que chorei muito esses dias, provavelmente num processo de esvaziamento que acompanha o parto.

Nos dias seguintes, as contrações foram ficando mais significativas e mais frequentes. Na quarta-feira, 7 de setembro, comecei a perder um pouquinho de muco. Comuniquei à parteira que estava em pródomos, e naquele mesmo dia a outra gestante entrou em trabalho de parto. Foi um alívio pra mim, porque eu tinha medo dos partos simultâneos, mas ainda temia entrar em trabalho de parto naquele mesmo dia ou no dia seguinte e pegar uma parteira em frangalhos. Mesmo assim, aquele feriado foi um dia ótimo. Consegui me desligar um pouco, me convenci de que tudo daria certo, e curti a folga com o marido e Emília.

Dia 8, quinta-feira, fui à consulta com a obstetra. Escolhi uma médica com quem eu pudesse ser honesta, contar dos meus planos de parto domiciliar com parteira e ter um amparo caso fosse necessária uma transferência para o hospital. Ela também me acompanhou num pré-natal muito pouco invasivo – só uma ecografia (morfológica do 2º trimestre) e três exames de sangue. O único exame que eu preferiria não ter feito foi a curva glicêmica, mas que deu normal e confirmou que minha altura uterina bem acima da média não significava diabetes gestacional.

Tudo ok na consulta. Ela ofereceu fazer uma avaliação do colo, mas preferi não fazer. “Se você me disser que eu tenho 1cm de dilatação, depois de quatro dias de pródomos, posso desanimar. Se disser que tenho 4cm, posso achar que vou parir hoje e o bebê resolver nascer só semana que vem. Então prefiro não saber.” Ela me respeitou e ficamos sem o exame de toque.

Mas naquela mesma consulta começou o movimento tenso que aquele dia sequíssimo, com a cidade em chamas, traria. Descobri que eu havia lido errado o exame de cultura de Streptococo do grupo B. Eu achava que era negativo, e era positivo. Sabendo disso antes, eu poderia ter feito um tratamento com alho, chá de tea tree e clorexidina (um bactericida). Mas agora não havia tempo pra muita coisa. A médica me deu a opção de tomar um antibiótico via oral (para o qual não existem evidências científicas) ou comprar um intravenoso para ser administrado durante o parto. Ocorre que não conseguimos comprar o medicamento intravenoso, que só é vendido para hospitais.

Quando saíamos da farmácia meio sem saber o que fazer, ligaram da Funasa para agendarem uma perícia devido aos meus atestados médicos. Falei que iria à tarde e descambei a chorar. Tudo o que eu queria naquele dia era ficar em casa, e em vez disso eu tinha atravessado a cidade pra uma consulta e teria de sair de novo às 14h, num sol desesperador e com umidade do ar a 10%, pra ouvir um médico decidir se eu deveria ou não antecipar minha licença maternidade.

Diante do meu estado emocional, Rafael ligou para o trabalho e disse que iria ficar em casa porque eu não estava me sentindo bem. Foi essencial tê-lo ao meu lado naquele dia sensível. Ele ligou pra parteira contando da leitura equivocada do exame e pedindo orientação. Optamos pela clorexidina, que, segundo ela, tem estudos comprovando a eficácia para eliminar o strepto. Fomos pra casa e consegui cochilar um pouco naquele finzinho de manhã.

Depois do almoço, ele foi me levar à perícia. Estava tão quente que comecei a sentir náuseas e tontura. A médica homologou metade do meu atestado e considerou o restante como antecipação da licença. Ficamos pensando se valeu a pena o estresse.

Tínhamos deixado Emília na casa da minha mãe para irmos à perícia e fomos buscá-la em seguida. Ela pediu pra mamar e senti uma contração muito forte. Fui correndo ao banheiro, vomitei e voltei como se nada tivesse acontecido, pra não dar alarme falso. Como o Rafael já tinha perdido o dia de trabalho, pedi que me levasse à ioga no fim do dia. Ainda fazia muito calor, a cidade queimava com o auge da seca. O clima lá na ioga também não estava bom. Muitas das gestantes relataram algum momento ruim emocionalmente. Mesmo assim, foi bom compartilhar, ouvir as outras e me esticar um pouco.

Sexta-feira, 9 de setembro. Acordei com contrações mais frequentes e pensei que poderia ser aquele o dia. Comentei com o Rafael, mas logo depois de tomar café da manhã disse a ele que fosse trabalhar. Que as coisas tinham dado uma acalmada, não era pra já. À tarde, quando Emília chegou da creche e pediu pra mamar, senti uma engrenada nas contrações e meu tampão começou a sair de vez. Mandei uma mensagem no celular da parteira e ela pediu que eu a mantivesse informada. Eu estava bastante cautelosa com essas boas contrações que sucediam as mamadas, porque normalmente elas iam embora uma ou duas horas depois, quando a ocitocina voltava aos níveis normais.

Rafael decidiu não ir trabalhar à tarde porque sentimos que esses pródomos estavam realmente evoluindo. Mesmo assim, eu considerava a possibilidade de passar o fim de semana sem ter parido.

Curtimos a tarde os três – Emília, Rafael e eu. No fim do dia, Rafael levou Emília ao parquinho enquanto eu fazia uma caminhada pelas redondezas. Encontrei uma amiga com sua filhinha de pouco mais de um ano, que perguntou se o bebê era pra novembro. Adorei. Durante a caminhada, nada de contrações de parto, tudo na paz. Fui encontrá-los no parquinho e depois fomos à padaria. Comprei muitos pães, pensando que talvez, na manhã seguinte, houvesse mais gente lá em casa para comer.

(continua...)

12 comentários:

Thaís Rosa disse...

Nossa, Lia, que delícia está sendo acompanhar seu relato. Muito bom conhecer o processo de outra pessoa, ver o quão semelhantes e diferentes podem ser em relação ao nosso... Parar para pensar o que foi diferente, o que poderia ter sido diferente... Acompanhar as dores e as delícias de quem fez uma escolha parecida com a nossa... Muito bom, e você conta tudo de uma forma deliciosa, a gente acompanha junto contigo!
Interessante essas crises que precedem o parto... no do caio, foi uma catarse mesmo, um temporal, que culminou num parto super intenso, rápido, avassalador. No do Nuno, tive essa crise uma semana antes, e achei que ia parir. E fui tendo pequenas crises até a véspera, quando fiquei tão tão serena, que nem acreditei. Mesmo com a mesma pessoa, cada processo é único, e isso é tão belo!
Lendo seu relato, percebi que esqueci da questão do strepto no relato do Caio... mas talvez porque isso não tenha me preocupado, mas sim à médica e à parteira. Também deu positivo, em cima da hora. Jamile ficou bem tensa, mas entrou em contato com o Dr. Jorge Kuhn, que enviou pra a ela uma apresentação em powerpoint sobre o tema, no qual ele relativiza a questão. Além disso, na consulta de contato com aquela que viria a ser a pediatra do Caio, comentei com ela sobre o assunto, e ela me tranquilizou demais: disse que poderia não haver contaminação mas, se houvesse, seria possível "atacar" logo de cara, sem maiores sequelas. A única questão é que, se houvesse indícios de contaminação, seria necessário colher sangue do bebê, o que implicaria em uma "picada" no pobre. Mas nada aconteceu, nada.
Já no caso do Nuno, minha médica, agora mergulhada na humanização, me deixou livre para decidir se queria ou não fazer o exame. Disse que as recomendações sobre o assunto variavam muito: nos Eua, na Europa... a OMS mesmo não tem consenso sobre o caso. Conversei com Jamile e ela achou que, por eu ter tido positivo, seria interessante fazer. Mas sugeriu o ob de alho, que eu acabei fazendo meio mais ou menos, porque não dava tempo de fazer o período completo. O resultado? Strepto negativo, para surpresa de todos e alegria geral da nação.
Mais uma prova de que não vale nos preocuparmos tanto...
E no fim, você fez o que?
beijo grande!
thaís

Paloma Varón disse...

E tá chegando, e tá chegando...
Beijos

Bobby disse...

E ta chegando!!?
Ai, zezuis, Lia, quanta calma!
Por exemplo, "depois do cafe da manha disse a ele que fosse trabalhar".
Eu seria muito mais do time do "fica, garai, fica, pelamor!"
Sou fanzaca.

Ana Paula - Journal de Béatrice disse...

Lia, estou uns dias sem acessar o meu blog e hoje dou de cara com os relatos e li os 3 numa sentada so. Haja folego e não contive as lagrimas. O milagre da vida, do nascimento, da força da natureza, da transformação. Imagino como deve ter sido especial e do teu lar ter sido abençoado com a chegada da Margarida.
E bom saber o estado psicologico, as angustias, o "esvaziamento", o choro que precedem e precentem a chegada do nosso bebê. Tudo isso faz sentido.
Um beijão.

Tchella disse...

ai tu me deixa curiosa!!! hahaha

Cíntia disse...

Oi Lia... O interessante da sua estória é que já existe a Emília, e parece que ela participa ativamente do parto. Muito legal essa fusão. Bj

Erica disse...

Lia, muito obrigada por compartilhar esse verdadeiro tratado sobre a natureza feminina.

Você lindamente aceitou o protagonismo de ser a maior responsável pelo momento, uma verdadeira força motriz ;) Obrigada por nos inspirar.

Erica

Sarah disse...

Sua calma e serenidade são inspiradoras - e tenho certeza que contribuíram muito para que vc chegasse nesse estado de entrega, sentir seu corpo e deixar a natureza trabalhar.
Mais, mais!
bjos!

Fabi Alvim disse...

Lia, a primeira parte eu consegui ler no trabalho e passei o resto do dia pensando no que ainda tinha por vir. Acabei de colocar as meninas para dormir... uma de cada vez... Joana, Júlia... e corri para ler parte 2 e 3. "Guenta" coração!! Relato MUITO bem escrito, delícia de ler!

Val disse...

Oi! Pq vc não queria fazer a curva glicêmica? Vou ter que repetir amanhã, pois o médico acha que 2 quilos em 2 semanas é demais....

Patrícia Boudakian disse...

Ai que delícia de relato.
Eu tb preferi não fazer o toque. Fiz apenas dois já em TP. Um com 8cm e o outro com 10.

Beijos

Dayane Cavalcante disse...

Oi Lia adorei ler o relato do seu parto, moro no DF e meu primeiro parto também foi natural, mas foi no hospital, não tenho coragem de parto domiciliar, sou medrosa, mas foi um parto do jeito que sempre quis sem episio, sem ocitocina, só eu e meu bebê dando forças um para o outro!Estou gestante novamente e gostaria de saber qual foi a obstetra que te acompanhou, pois aqui, como você sabe, é muitooooo difícil achar um médico a favor do parto natural!Será que você pode me indicar a obstetra que te acompanhou???
Obrigada!


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